martes, 23 de marzo de 2004

Fidel, ainda choro por "El Guajiro" (por David Gueiros Vieira)

Fonte: Mídia Sem Máscara (http://www.midiasemmascara.org)
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Nota do autor: Cada vez que Fidel Castro tem vindo ao Brasil, tenho tentado publicar o artigo abaixo, sem, no entanto, obter acolhida nos jornais brasileiros, para os quais enviei. O nome de “el Guajiro”, que dou ao meu amigo, executado por Fidel Castro, ficará assim mesmo. Recuso dar seu nome real, pois a família ainda mora em Cuba, e sem duvida sofrerá severas represálias de Fidel Castro, se é que algum deles ainda é vivo.


Seus companheiros cubanos chamavam-no de "el Guajiro". Era neto de imigrantes espanhóis, e dono de uma pequena fazenda no interior de Cuba. Daí seu apelido de "Guajiro", que no falar cubano quer dizer matuto, capiau. Os outros colegas eram de Havana, Santiago e Camagüey.

Do avô espanhol, o "Guajiro" herdara uma velha espingarda de caça. Pela descrição da mesma, essa estava mais para um velho bacamarte do que para uma espingarda moderna. Era toda encravada de prata, afirmava ele. Uma jóia daquela família espanhola, guardada de geração em geração. Para um garoto de 19 anos, aquela velha arma era o objeto mais precioso que possuía, do qual constatemente falava e se gabava aos amigos. Por isso mesmo, estes sempre faziam chacota sobre a tal espingarda preciosa.

Éramos um pequeno grupo de latino-americanos, em 1949, estudantes de uma faculdade presbiteriana, no sul dos Estados Unidos, egressos de escolas presbiterianas do Brasil e Cuba. A revolução de Fidel Castro ainda estava para acontecer, dez anos depois.

Na revista Bohemia, que os cubanos recebiam, sempre vinham reportagens sobre os movimentos estudantis naquele país. Lembro-me distintamente do retrato de um dos líderes universitários da época. Era um tipo gordote, usando um bigode fino, muito em moda naqueles tempos. "Este es un revolucionario comunista, muy peligroso", informavam-me os cubanos. Mais tarde eu veria aquele mesmo retrato em revistas norte-americanas, identificado como sendo de Fidel Castro, o revolucionário da Sierra Maestra.

Confesso que não entendia como a imprensa norte-americana, sob a influência do jornalista Tad Szulc, do New York Times, chamava o gordote de "grande democrata". Se meus amigos cubanos já o haviam identificado como "revolucionario comunista muy peligroso", como podia a imprensa americana identificá-lo como "democrata"? Cheguei a suspeitar que Tad Szulc fosse também daquela mesma ideologia. Engano meu. Fora apenas mais um jornalista estrangeiro ludibriado pelo "Comandante", como explicaria Jean-Paul Sartre, em um livro sobre a revolução cubana, infelizmente nunca publicado no Brasil. Sartre fora a Cuba e ouvira todos os detalhes da revolução da boca do próprio Fidel, com todos os detalhes de como ele havia enganado a burguesia cubana e os americanos. É obra que deveria ainda ser traduzida para o português, pois dá uma versão da revolução cubana, bem diferente daquela que o ditador Fidel Castro ainda hoje conta pelo mundo a fora.

Ao final do bacharelado, em 1952, o grupo latino-americano daquela faculdade se desfez, indo cada um para seu lado. Perdi contato com quase todos os ex-colegas cubanos, exceto um, que fora trabalhar em Nova Iorque. Foi através deste que, eventualmente, recebi notícias do grupo.

Sete anos depois, em 1959, o gordote da fotografia na revista cubana deixara crescer a barba, e se transformara no "el comandante" revolucionário da Sierra Maestra. O “comandante” Fidel eventualmente faria uma grande traição - na descrição de Sartre - à revolução contra Fulgencio Batista, na realidade liderada e levada a efeito pelos partidos democratas cubanos, que foram os verdadeiros responsáveis pela derrubada do governo daquele ditador. Foi um golpe de mestre, dado naqueles partidos burgueses e “reacionários” – assim afirmou Sartre, em seu livro, intitulado, em inglês, Sartre on Cuba. Esse golpe trouxera Fidel ao poder. Que tremenda falta fez aqui no Brasil aquele honestíssimo livro de Sartre, contando com toda a fidelidade os detalhes da revolução cubana!

Com a chegada de Fidel Castro em Havana, comandando um “exército” de camponeses, que ele fora angariando aos poucos, na sua viagem entre a Serra Maestra e Havana - prometendo terras aos mesmos - Fidel intimidara os partidos democratas. Chegou à Havana com um exército de camponeses armados e desarmou a todos os dos partidos democratas. Esses camponeses, no final, foram também ludibriados, pois lhes tinham sido prometidas terras. Em vez disso, receberam como compensação títulos de terras que não existiam e que por isso mesmo não eram descritas no papel. O papel lia algo com: “Este documento certifica que o portador, cidadão cubano, é dono de tantos e quantos metros quadrados de terra cubana”. Era apenas mais um engodo perpetrado contra o povo cubano. Os camponeses foram então postos a trabalhar nas fazendas comunitárias do Estado. Os camponeses só, não. Todos e quantos eram declarados de mentalidade burguesa, eram para lá enviados a fim de serem “reeducados”. Os ditos “inimigos da revolução” eram fuzilados.

Com a derrocada dos partidos democratas cubanos, meus amigos ex-companheiros de faculdade, amedrontados, fugiram quase todos para os Estados Unidos da América. O "Guajiro", no entanto, ficou em Cuba. Sem entender o que estava se passando, ele assumira a administração da fazenda familiar, pois aparentemente não queria abandonar uma propriedade que seus avós tinham adquirido com tanto esforço.

Veio então uma ordem de Fidel Castro a todos os cubanos: entregar todas as armas de fogo que possuíssem. O "Guajiro" entregou todas, exceto uma: o famoso velho arcabuz, todo encravado de prata, que herdara do avô e que ele tanto amava. Cuidadosamente embrulhou a velha arma em plástico e enterrou-a, talvez na esperança de algum dia poder recuperá-la. Sua ação, no entanto, foi testemunhada por funcionários da fazenda, que o denunciaram às autoridades. Foi declarado “traidor” da revolução. Na visão dos fidelistas, havia ainda dois terríveis agravantes contra ele, além daquele de possuir o velho arcabuz: estudara em um colégio americano em Cuba e em uma faculdade nos Estados Unidos da América. Esses eram crimes que não podiam ser perdoados. Foi preso, obrigado a desenterrar a arma, e sumariamente fuzilado.

Os detalhes do fuzilamento do "Guajiro" me foram contados pelos outros companheiros cubanos. Tendo eu mesmo presenciado os horrores dos quase que novecentos fuzilamentos sumários, ocorridos em Cuba, logo após a tomada do poder por Fidel Castro, e levados a efeito em pleno campo de esportes de Havana - com a multidão gritando "al paredón, al paredón" - fuzilamentos esses testemunhados por todo o mundo civilizado, através da televisão, jamais duvidei do relato que me fizeram da morte do "Guajiro".

Antes de ser fuzilado, assim relataram-me os companheiros, “el Guajiro” fora levado a um hospital, onde lhe tiraram quase todo o sangue. Era argumento de Fidel Castro, que os "traidores da pátria" deviam pelo menos "doar" seu sangue à mesma. Que se saiba, todos aqueles que foram declarados “traidores” foram tratados desta mesma maneira. Tão fraco ficara o "Guajiro", com a retirada de quase todo seu sangue que, para ser fuzilado, teve de ser atado a um poste.

A família do morto, ainda não compreendendo aquele novo tipo de governo, que fora imposto à Cuba, solicitou o corpo do parente, para enterrá-lo condignamente. Mais ainda, exigiu cópia do processo criminal que resultara naquela sentença de morte. As autoridades cubanas, ainda tentando parecer "democráticas" - o próprio Fidel fora aos Estados Unidos em 1961, para convencer os americanos disso - depois de várias semanas enviaram à família os documentos solicitados.

Ocorre que ditos papéis claramente demonstravam ter o rapaz sido julgado post-mortem, e que sua sentença só fora pronunciada um mês após sua execução, e apenas para validá-la.

E assim prosseguiu a gloriosa revolução cubana, dita "democrática", ainda hoje louvada por tantos incautos, que têm acesso apenas à propaganda do governo de Fidel Castro.

Já contei várias vezes essa mesma história do “Guajiro”. As verdades históricas, desse tipo, devem ser contadas e recontadas, e mais uma vez recontadas para que não sejam jamais esquecidas. Esconder os detalhes de eventos desse tipo seria um crime de lesa história, visto que a imagem de Fidel Castro - hoje geralmente aceita - é de ser ele apenas um velho e bondoso "tio" que, aqui e ali, tem apenas negado os "direitos civis" de algumas pessoas. Falta-nos um Kruschev cubano, para contar todos os detalhes dos crimes contra a humanidade, ocorridos em Cuba desde a revolução de Fidel Castro, em 1959 [1].

Por essa razão, mais uma vez envio esta mensagem ao tiranete cubano: Fidel, ainda hoje choro pelo meu amigo "el Guajiro", que tu tão covardemente assassinaste.