Romaria de esquerda
Por Tales Alvarenga, na VEJA.
A esquerda juvenil latino-americana reuniu-se na semana passada em Caracas, no Fórum Social Mundial, o maior encontro de socialistas do planeta. Esse fórum é uma romaria de jovens (e de madurões infantilizados) em busca de um sentido para a sua agenda política. Essa gente não pode mais contar com a espiritualidade religiosa que consolou as gerações passadas. Também perdeu a ilusão no racionalismo econômico do marxismo.
A velha esquerda marxista e o moderno capitalismo propunham a mesma coisa no século passado. Ambos propunham dar o máximo de satisfação ao ser humano. A diferença estava nos métodos. A economia de mercado partia da liberdade individual para criar um sistema que produzisse o máximo de conforto em bens e serviços. O comunismo argumentava que o modelo mais eficiente para chegar à abundância era o planejamento econômico centralizado. Seria preciso começar com uma ditadura, mas isso era irrelevante. No fim, o comunismo proporcionaria mais felicidade para todos.
A economia de mercado ganhou. Em todos os países que adotaram o socialismo (metade do mundo era socialista há poucas décadas), o projeto original desandou em regimes totalitários e pobreza. Sem exceção. O comunismo matou mais de l00 milhões de pessoas. As que escaparam ilesas acabaram na fila do racionamento. Surpresa! A velha esquerda está morta, mas, de seus escombros, surge uma esquerda juvenil revigorada.
Em primeiro lugar, os socialistas do bermudão abandonaram a racionalidade econômica em que se baseou o marxismo. Afinal, já havia ficado claro que fazer contas só serve para desmoralizar ainda mais a utopia do igualitarismo. Em compensação, o projeto esquerdista voltou a incorporar idealizações de pensadores socialistas que antecederam Marx, como a "fraternidade", a "solidariedade", a "vida em comunidade". São idealizações que podem ter apelo num mundo que perdeu o sentido de transcendência para a vida.
A economia de mercado é o melhor sistema apenas para satisfazer as necessidades materiais do ser humano. As necessidades metafísicas não são um problema essencial do projeto capitalista. Para a moderna sociedade industrial e tecnológica, questões como religião, filosofia política, impulso à filantropia ou preferências estéticas são escolhas ligadas à esfera individual, nada que o sistema forneça coletivamente. Perfeito do ponto de vista racional. Aí está, no entanto, a maior fragilidade da sociedade capitalista. A racionalidade não é um atributo das massas. Apenas uma minoria de pessoas tem escala intelectual suficiente para manter vida espiritual por conta própria.
---------------------
Tales Alvarenga faleceu na sexta-feira 3 de fevereiro. Uma enorme perda para o jornalismo.
|